Assim nasce um piromaníaco.



Eu nunca quis prejudicar ninguém ou causar uma cena. Nunca se passou pela minha cabeça envolver pessoas que não entendem coisas simples em algo tão magnifico, mas como nossas vontades se chamam assim justamente por não serem atos/reais, eis que tenho que me conformar, assim como todos os outros envolvidos.

Uma certa noite, quando a dor de permanecer parado atormentou meu cérebro inconstante, resolvi levantar-me, não sei dizer que horas, apenas que era tarde, e dar uma volta para, quem sabe, deixar minha mente e meu corpo no mesmo ritmo.
Conforme andava pelas ruas vazias, com nada mais que alguns cães e casas escuras como testemunha, deixei que meus sentidos  vagassem soltos, mantendo-os em frente, rumo esse que eu mesmo focava em tomar.
O engraçado é que quando seguimos em frente chegamos a algum lugar, real e metaforicamente. Apesar que se andássemos para trás também chegaríamos, mas a possibilidade de cairmos seria muito maior, o que pode parecer excitante para uns, mas assustador para outros. E cada vez que vago por essas linhas sem respostas, sinto meu ser rodando em círculos sem saber se posso parar, por isso sempre evito esse caminho.
Quando dei por mim estava em uma pequena praça solitária, com seus bancos e sombras estranhas, onde me senti amedrontado e curioso. A mesma força que me compelia a ir embora, também me pedia para sentar e apenas apreciar a vista limitada e sinistra. E foi isso que fiz. Me sentei de frente ao triste e vazio chafariz, apenas deixando que a noite nos conectasse.
Nas noites seguintes mantive a recém descoberta rotina de ir a pequena e escura praça solitária. Algumas vezes fui com meu violão para preencher os sons noturnos que pareciam não existir naquele lugar. Era como se, naquele espaço limitado, por aquele tempo limitado, existisse apenas eu. E uma pessoa na minha atual situação pode se apegar a esse tipo de sentimento.
O mundo é tão cheio, tão barulhento, tão assustador que quase nunca conseguimos nos conectar a algo. Mas quando conseguimos, mesmo que seja a noite e a uma praça sem futuro, nos apegamos a isso de uma maneira que pode não ser saudável.
Conforme foram passando as noites, uma ideia insistente coçava dentro de minha cabeça, me fazendo mais vezes do que gostaria, ter de dar atenção a ela. E cada vez que dedicava mais minutos a insistente ideia, mais ela parecia plausível. E quanto mais plausível, mais perto de ser posta em pratica ela ficava. Até que uma noite eu me dirigi ao meu lugar de sempre, mas dessa vez não era apenas meu violão que me acompanhava, mas sim uma bolsa cheia das minhas ideias e planos.
No começo admito que me faltou um pouco de coragem, então dediquei longos minutos, uma canção ou duas, apenas para que novamente a coceira me convencesse a seguir com aquilo. Quando finalmente me senti convencido, deixei meu colega de madrugadas me aguardando no banco, peguei minha mochila cheia de planos e me aproximei do chafariz.
Como disse no início, eu não queria prejudicar ninguém, apenas queria afastar um pouco das sombras e da noite em meu melhor ambiente, criando meu próprio sol. Brilhante, quente e intenso. Porque mesmo saindo apenas a noite, eu queria um pouco de luz e calor para afastar algumas coisas de dentro de mim.
Então, com muito cuidado, coloquei toda a gasolina que trouxe no chafariz e joguei um fósforo.
Por alguns instantes apenas fiquei admirando tamanha beleza, principalmente pela unicidade da obra. Aquele era o primeiro chafariz de fogo que eu via e havia sido eu que o fiz. Naquele momento não foi apenas o calor do fogo que me aqueceu, mas também o do prazer da criação.
Sentei-me novamente com meu velho amigo e ficamos cantando para nosso sol particular. Nem notei quando luzes e barulhos estranhos se aproximaram. Nem tentei mentir quando o agente da lei me perguntou quem havia sido responsável por aquilo, mesmo me sentindo ofendido pelo termo chulo ao se referir a tamanha beleza. E quando me levaram a delegacia, não consegui sequer me sentir culpado, já que havia sido completamente preenchido pela experiência.
Depois de muito questionarem e minha mãe chorar toda a água presente em seu corpo ausente, finalmente pude ir para casa. Quando, mais cedo do que havia calculado, repousei minha cabeça no travesseiro, deixei que a onda de prazer e preenchimento me alentasse e tudo que consegui pensar, antes que meu corpo sucumbisse ao sono, era que não via a hora de fazer um outro sol.



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